LEITURA

DISCIPLINA: LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS (Curso - História)

O EMPREGO DA VÍRGULA         
                                                                                                        
Emprega-se a vírgula:

1 - Para separar os termos da mesma função sintática, se não estiverem ligados por "e":
"O mar, o céu, tudo apregoa a glória de Deus."
Pedro, Antônio, José e eu somos amigos.

2 - Para isolar o vocativo:
Menino, estude.
"Deixe-me, senhora."                                                                   
"Tu, Pilatos, antepuseste a amizade de César à graça de Deus."
"D. Glória, a senhora persiste na idéia de meter o nosso Bentinho no Seminário ?"

3 - Para isolar o aposto:
Iracema, a virgem dos lábios de mel, tinha..."
Salomão, filho de Davi, foi um rei sábio."
"O aluno mais velho, de rugas nas faces, foi reprovado."
"Todo ele, olhos e pensamento, estava no camarote de Guiomar"

4 - Para separar o adjunto adverbial, quando expresso por várias palavras e em ordem inversa:
"Naquela longíngua região, habitava o pedreiro."
"Eis que, aos poucos, lá para as bandas do Oriente, clareia um cantinho do céu."
"Por impulso instantâneo, todo o alojamento se pôs de pé."
"Durante o jantar, o assunto foi só esse."

5 - Nas datas ou para separar o local da data:
Vitória, 25 de fevereiro de 2000
Brasília, 2 de fevereiro de 2000
Belo Horizonte, 12 de Março de 2000

6 - Entre as orações coordenadas assindéticas:
Ela salta, ri, canta e chora.
Vim, vi e venci.
"A máquina calou-se, dobraram-se as portas, o juiz levantou-se."

7 - Entre as orações coordenadas ligadas pela conjunção "e ". Com sujeitos diferentes:
Veio a noite, e o rapaz saiu.
Pedro estuda física, e eu, português.

8 - Para indicar as orações subordinadas adjetivas explicativas:
"O sol, que é uma estrela, é o centro do sistema planetário."
"O homem, que é mortal, julga-se às vezes eterno."
"O homem, que é mortal, tem alma imortal."
"Rio, que cantas as mágoas, que queres com teu cantar, "

9 - Para isolar as orações subordinadas adverbiais. Entretanto deixará de haver vírgula, quando a conjunção estiver entre dois verbos aproximados...
Ele ficou pálido, quando viu o policial.
Se não chover, iremos à fazenda
"Embora me proíba, não deixarei de continuar estudando."
"Logo que eles chegaram, o estranho se retirou."
Irei se puder.
"Quando tio Severino voltou da fazenda, trouxe para Luciana um periquito."

10 - Para isolar as orações reduzidas de gerúndio, de particípio, ou de infinitivo, quando subordinadas adverbiais:
Sendo pobre, ele ainda auxiliava os outros.
Afastado o perigo, partimos.
Ele chorou, ao ver o pai.
"Hoje, pensando melhor, acho que servi de alívio.
"Acabada a festa, retiraram-se os convidados.
"Ao dizer estas palavras, saiu da sala."
Terminada a aula, os alunos se retiraram.
"Chegando a primavera, comprarei roupa de linho."
"Querendo tu escrever-lhe, escreve."
"Terminada a conferência, requintou o Governo Alemão nas suas cortesias para com o Brasil.".

11 - Para isolar os termos ou orações intercaladas ou palavras denotativas:
O rapaz coitado, morreu.
"A mocidade, disse José de Alencar, é uma sublime impaciência."
"Venha, acudiu ele, venha o grande homem."

12 - Para marcar a supressão ou omissão do verbo:
"A moral legisla para o homem: o direito, para o cidadão."
"Pedro estuda francês, e Jorge, inglês."
"Uma flor, o Quincas Borba."
"Uma parte dos homens age sem pensar, a outra, pensa sem agir. "
"Nem ele entende a nós, nem nós, a ele. "

13 - Para isolar certas palavras e expressões explicativas ou corretivas (aliás, digo, minto, isto é, por exemplo, ou antes, ou melhor, corrijo, a saber, além disso, com efeito, porém, contudo, pois, entretanto, portanto, todavia):
Li quatro capítulos, digo, parágrafos.
"O amor, isto é, o mais forte e sublime dos sentimentos, tem seu princípio em Deus."
"Sairá amanhã, corrijo, depois de amanhã."
"Hoje, porém, domamos os ventos, as ondas, as correntes."

14 - Para evitar a ambiguidade:
"No meu tempo de criança, na fazenda, era bom: tanto meu pai matava vaca, como matava, minha mãe."
Matar o rei, não, é crime.
"A grita se levanta ao céu, da gente." (Camões)
Pedro comeu a carne, e a empregada saiu.

15 - Para separar os elementos paralelos de um provérbio:
"Mocidade ociosa, velhice vergonhosa. "
"Quem mente, vergonha não sente."                                           
"Muito riso, pouco siso."
"Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso."
"O velho a estirar, o diabo a arrugar.

OBSERVAÇÃO:
Não se coloca a vírgula entre sujeito e predicado.
Não se coloca a vírgula entre predicado e sujeito


Quando falamos, damos uma pequena pausa ao encontrarmos uma vírgula. Ela não encerra a frase nem o período. Para separar muitos itens numa mesma frase, ou para separar frases maiores (especialmente em listagens), prefira usar o ponto-e-vírgula. Evite usar muitas vírgulas numa mesma frase. Sempre que possível, construa períodos curtos (encerrados com o ponto-final).




PLANO DE ENSINO DE LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS

CURSO: HISTÓRIA       Período: I        Carga horária: 60h       1º semestre/2014
Professor Ademauro Gomes - fone 081-9272.7036 - admmaurogommes@hotmail.com

EMENTA: Instrumentação nas áreas de leitura e produção de textos oral e escrito, considerando suas especificidades. A formação do leitor e a função social.

1. EIXO TEMÁTICO: contexto socioeducacional e desafios na formação de professores de Matemática.

2. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO:
2.1. Leitura compreensiva de texto;
2.2. Explicitação do significado de palavras ou expressões, substituindo-se por sinônimos;
2.3. Identificação do valor, para o sentido do contexto, de traços gramaticais, no que se refere a:
·        Tonicidade;
·        Pontuação;
·        Formação e flexão de palavras
·        Classes gramaticais;
·        Colocação.

2.4. Reestrutura de enunciados, evidenciando domínio das variantes faladas/escrita e coloquial/formal da Língua Portuguesa.
             
3. COMPETÊNCIAS E HABILIDADES
3.1. Distinguir as características dos diversos tipos de textos.
3.2. Reconhecer o significado de palavras e expressões.  
3.3. Reconhecer o valor da tonicidade e da pontuação para o sentido do texto. 
3.4. Explicar a formação e flexão das palavras
3.5. Reestruturar enunciados da língua falada para a escrita
3.6. Distinguir traços característicos entre a variante coloquial e a formal.

4. SITUAÇÃO DIDÁTICA
4.1. Discussão sobre a importância da leitura e da produção de textos.
4.2. Consulta a diversas fontes de informação em dicionários de sinônimos, enciclopédia, internet, bem como a textos provindos da oralidade.
4.3. Compreensão das idéias básicas dos textos
4.4. Análise dos diversos tipos de textos jornalísticos, poéticos, históricos, humorísticos...
4.5. Participação do leitor ao reconstruir e/ou ver o mundo através da leitura.
4.6. Envolvimento do leitor com o texto.

5. RECURSOS: pincel para quadro branco, livros, resumos de livros, artigos, retroprojetor e pesquisa.

6. AVALIAÇÃO
Atividades realizadas em sala de aula
Leitura orientada 20 horas: A importância do ato de ler (Paulo Freire) e Preconceito Linguístico (Marcos Bagno)
Participação de forma interativa
Trabalhos de pesquisa individual e em grupo, levando-se em conta a correta argumentação, domínio de conceitos, vocabulário específico e uso adequado da língua culta.
  
7. REFERÊNCIAS
AURÉLIO, Buarque de Holanda Ferreira. Minidicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. São Paulo: Loyola, 2001.
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37 ed., Rio de Janeiro: Lucena, 1999.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1989.
KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. 11 ed., São Paulo: Cortez, 1999.
_________. Texto e coerência. 6 ed., São Paulo: Cortez, 1999.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Leitura e compreensão de texto falado e escrito como ato individual de uma prática social. In: Leitura – Perspectivas interdisciplinares. Série Princípios. São Paulo: Àtica, 2005.



CURSO DE HISTÓRIA

Período: 1º

BIBLIOGRAFIA PRELIMINAR (para referências em artigos científicos) - SUGERIDA E COMENTADA PELO PROFESSOR MARCONDES CALAZANS

ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade ao Feudalismo. 5a. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004.
ü  Narra os fatores que conduziram os caminhos que separaram a Idade Antiga da Idade Medieval, dando ênfase aos fatores políticos, sociais, ideológicos, e, principalmente religiosos.

AQUINO, Rubim Santos Leão de. História das Sociedades Americanas. 9ª Ed.  Rio de Janeiro: Record,  2004.
ü  Faz menção aos povos pré-colombianos, desde os canibais até os dos grandes impérios, foram praticamente dizimados. Dos 80 milhões de nativos estimados no momento da chegada dos europeus, restaram menos de 10 milhões de habitantes um século depois.

ARIES, Phillipe. História da Vida Privada – da renascença ao século das luzes. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
ü  O historiador Phillipe Áries relaciona o surgimento do público e do privado entre os séculos XVI e XIX. As monarquias  centralizadas da França, Inglaterra e Espanha representavam uma ruptura decisiva com a soberania piramidal e parcelada das formações sociais medievais. A controvérsia sobre a natureza histórica destas monarquias declarou-as produto de um equilíbrio de classe entre a antiga nobreza feudal e a nova burguesia urbana.

ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista; Brasiliense. 3ª edição, 1995.

ü  Consiste em um estudo marxista sobre o absolutismo europeu, suas estruturas puras, bem como as variantes impuras representadas pelas diferentes monarquias específicas da sociedade Medieval.

ROFRIGUES, Rosicler Martins. Homem Na Pré-História, O - 2ª Edição. Moderna, 2013
ü  Neste livro, a autora, bióloga, percorre um caminho de milhões de anos para contá-la. A narrativa e as ilustrações se unem para recriar a vida na pré-história e nos levam a reflexões que ajudam a entender o tempo presente.

 GUERRA, Flávio. História de Pernambuco. Editora ASA Pernambuco, 1985
ü  O autor afirma que se deve inegavelmente à Península Ibérica o grande sucesso do devassamento dos mares, que caracterizou nos fins do século XV o grande ciclo das navegações, cuja epopeia foi o desenvolvimento da América e da Índia.
  
FRANCO JR, Hilário. A Idade Média: O Nascimento do Ocidente. 2ª. ed. São Paulo:
Brasiliense, 2005.
ü  Dá ênfase a relação de poder entre o Ocidente e o Oriente: alta e baixa idade média, considerando o caráter ideológico das cruzadas.

MAYER,  Arno J.  A força da tradição – A persistência do antigo regime. São Paulo, CIA das Letras, 1987.
ü  Faz uma reflexão profunda sobre as permanências e continuidades da velhas ordens políticas pela persistência das tradições, a exemplo da sociedade católica mesmo com o fim do absolutismo feudal.

POMER, Leon. O surgimento das Nações. São Paulo: Atual; Campinas: Universidade de Campinas, 1985.
ü  Faz menção ao desencadeamento das revoluções a partir da Idade Moderna, especialmente as Revoluções Puritana e Gloriosa.
HOBSBAWM, Eric J. Os trabalhadores. São Paulo: Cia das Letras, 1996.
HOBSBAWM, Eric J. Sobre a História. São Paulo: Cia das Letras, 1998.
HOBSBAWM, Eric J. (org.) História do Marxismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
HOBSBAWM, Eric J. Revoluções: Europa (1778-1848). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
HOBSBAWM, Eric J. A Era do Capital (1848-1875). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
HOBSBAWM, Eric J. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1979.
HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Extremos. O breve século XX. Companhia das Letras. Rio de Janeiro, 2004.

ü  Dá ênfase ao estudo das estruturas e conjunturas socioeconômicas, culturais e político-institucionais que caracterizaram as formas de desenvolvimento do mundo contemporâneo, bem como dos movimentos e processos revolucionários capitalista e anti-capitalistas.

HOBSBAWM, ERIC J. A crise do capitalismo e a atualidade de Marx. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1998.

ü  Faz menção ao interesse público por Karl Marx no período ultrarrápido de globalização, dando mostras que o cientista político e sociólogo previu a atual gestão e crise do sistema capitalista.



Indicação de Leitura para a turma do 1º de História
Atividade: comentar as partes destacadas




Livro de Paulo Freire
A importância do ato de ler
(*) Trabalho apresentado na abertura no Congresso Brasileiro de Leitura, realizado em Campinas, nov. 1981.


Rara tem sido a vez, ao longo de tantos anos de prática pedagógica, por isso política, em que me tenho permitido a tarefa de abrir, de inaugurar ou de encerrar encontros ou congressos.
Aceitei fazê-lo agora, da maneira, porém, menos formal possível. Aceitei vir aqui para falar um pouco da importância do ato de ler.
Me parece indispensável, ao procurar falar de tal importância, dizer algo do momento mesmo em que me preparava para aqui estar hoje; dizer algo do processo em que me inseri enquanto ia escrevendo este texto que agora leio, processo que envolvia uma compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir

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da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. Ao ensaiar escrever sobre a importância do ato de ler, eu me senti levado - e até gostosamente - a “reler” momentos fundamentais de minha prática, guardados na memória, desde as experiências mais remotas de minha infância, de minha adolescência, de minha mocidade, em que a compreensão crítica da importância do ato de ler se veio em mim constituindo.
Ao ir escrevendo este texto, ia “tomando distância” dos diferentes momentos em que o ato de ler se veio dando na minha experiência existencial. Primeiro, a “leitura” do mundo, do pequeno mundo em que se movia; depois, a leitura da palavra que nem sempre, ao longo de minha escolarização, foi a leitura da “palavramundo”.
A retomada da infância distante, buscando a compreensão do meu ato de “ler” o mundo particular em que me movia - e até onde não sou traído pela memória -, me é absolutamente significativa. Neste esforço a que me vou entregando, re-crio, e re-vivo, e no texto que escrevo, a experiência vivida no momento em que ainda não lia a palavra. Me vejo então na casa mediana em que nasci, no Recife, rodeada de árvores, algumas delas como se fossem gente, tal a intimidade entre nós - à sua sombra brincava e em seus galhos mais dóceis à minha altura eu me experimentava em riscos menores que me preparavam para riscos e aventuras maiores.
A velha casa, seus quartos, seu corredor, seu sótão, seu terraço - o sítio das avencas de minha mãe -, o quintal amplo em que se achava, tudo isso foi o meu primeiro mundo. Nele engatinhei, balbuciei, me pus de pé, andei, falei. Na verdade, aquele mundo especial se dava a mim como

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o mundo de minha atividade perceptiva, por isso mesmo como o mundo de minhas primeiras leituras. Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto - em cuja percepção me experimentava e, quanto mais o fazia, mais aumentava a capacidade de perceber - se encarnavam numa série de coisas, de objetos, de sinais, cuja compreensão eu ia apreendendo no meu trato com eles, nas minhas relações com meus irmãos mais velhos e com meus pais.
Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto se encarnavam no canto dos pássaros - o do sanhaçu, o do olho-pro-caminho-quem-vem, o do bem-te-vi, o do sabiá; na dança das copas das árvores sopradas por fortes ventanias que anunciavam tempestades, trovões, relâmpagos; as águas da chuva brincando de geografia: inventando lagos, ilhas, rios, riachos. Os “textos”, as “palavras”, as “letras”, daquele contexto se encarnavam também no assobio do vento, nas nuvens do céu, nas suas cores, nos seus movimentos; na cor das folhagens, na forma das folhas, no cheiro das flores - das rosas, dos jasmins -, no corpo das árvores, na casca dos frutos. Na tonalidade diferente de cores de um mesmo fruto em momentos distintos: o verde da manga-espada, o verde da manga-espada inchada; o amarelo esverdeado da mesma manga amadurecendo, as pintas negras da manga mais além de madura. A relação entre estas cores, o desenvolvimento do fruto, a sua resistência à nossa manipulação e o seu gosto. Foi nesse tempo, possivelmente, que eu, fazendo e vendo fazer, aprendi a significação da ação de amolegar.
Daquele contexto faziam parte igualmente os animais - os gatos da família, a sua maneira manhosa de enroscar-se nas pernas da gente, o seu miado, de súplica ou de raiva; Joli, o velho cachorro negro de meu pai, o seu mau humor, toda vez que um dos gatos incautamente se aproximava demasiado do lugar em que se achava comendo e que era seu - “estado de espírito”, o de Joli, em tais momentos, completamente diferente do de quando quase desportivamente perseguia, acua-
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va e matava um dos muitos timbus responsáveis pelo sumiço de gordas galinhas de minha avó.
Daquele contexto - o do meu mundo imediato - fazia parte, por outro lado, o universo da linguagem dos mais velhos, expressando as suas crenças, os seus gostos, os seus receios, os seus valores. Tudo isso ligado a contextos mais amplos que o do mundo imediato e de cuja existência eu não podia sequer suspeitar.
No esforço de re-tomar a infância distante, a que já me referi, buscando a compreensão do meu ato de ler o mundo particular em que me movia, permitam-me repetir, re-crio, re-vivo, no texto que escrevo, a experiência vivida no momento em que ainda não lia a palavra. E algo que me parece importante, no contexto geral de que venho falando, emerge agora insinuando a sua presença no corpo destas reflexões. Me refiro a meu medo das almas penadas cuja presença entre nós era permanente objeto das conversas dos mais velhos, no tempo de minha infância. As almas penadas precisavam da escuridão ou da semi-escuridão para aparecer, das formas mais diversas - gemendo a dor de suas culpas, gargalhando zombeteiramente, pedindo orações ou indicando esconderijos de botijas. Ora, até possivelmente os meus sete anos, o bairro do Recife onde nasci era iluminado por lampiões que se perfilavam, com certa dignidade, pelas ruas. Lampiões elegantes que, ao cair da noite, se “davam” à vara mágica de seus acendedores. Eu costumava acompanhar, do portão de minha casa, de longe, a figura magra do “acendedor de lampiões” de minha rua, que vinha vindo, andar ritmado, vara iluminadora ao ombro, de lampião a lampião, dando luz à rua. Uma luz precária, mais precária do que a que tínhamos dentro de casa. Uma luz muito mais tomada pelas sombras do que iluminadora delas.
Não havia melhor clima para peraltices das almas do que aquele. Me lembro das noites em que, envolvido no meu


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próprio medo, esperava que o tempo passasse, que a noite se fosse, que a madrugada semiclareada viesse chegando, trazendo com ela o canto dos passarinhos “manhecedores”.
Os meus temores noturnos terminaram por me aguçar, nas manhãs abertas, a percepção de um sem-número de ruídos que se perdiam na claridade e na algazarra dos dias e que eram misteriosamente sublinhados no silêncio fundo das noites.
Na medida, porém, em que me fui tornando íntimo do meu mundo, em que melhor o percebia e o entendia na “leitura” que dele ia fazendo, os meus temores iam diminuindo.
Mas, é importante dizer, a “leitura” do meu mundo, que me foi sempre fundamental, não fez de mim um menino antecipado em homem, um racionalista de calças curtas. A curiosidade do menino não iria distorcer-se pelo simples fato de ser exercida, no que fui mais ajudado do que desajudado por meus pais. E foi com eles, precisamente, em certo momento dessa rica experiência de compreensão do mundo imediato, sem que tal compreensão tivesse dignificado malquerenças ao que ele tinha de encantadoramente misterioso, que eu comecei a ser introduzido na leitura da palavra. A decifração da palavra fluía naturalmente da “leitura” do mundo particular. Não era algo que se estivesse dando superpostamente a ele. Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz.
            Por isso é que, ao chegar à escolinha particular de Eunice Vasconcelos, cujo desaparecimento recente me feriu e me doeu, e a quem presto agora uma homenagem sentida, já estava alfabetizado. Eunice continuou e aprofundou o trabalho de meus pais. Com ela, a leitura da palavra, da frase, da sentença, jamais significou uma ruptura com a “leitura” do



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mundo. Com ela, a leitura da palavra foi a leitura da “palavramundo”.
Há pouco tempo, com profunda emoção, visitei a casa onde nasci. Pisei o mesmo chão em que me pus de pé, andei, corri, falei e aprendi a ler. O mesmo mundo - primeiro mundo que se deu à minha compreensão pela “leitura” que dele fui fazendo. Lá, re-encontrei algumas das árvores da minha infância. Reconheci-as sem dificuldade. Quase abracei os grossos troncos - os jovens troncos de minha infância. Então, uma saudade que eu costumo chamar de mansa ou de bem comportada, saindo do chão, das árvores, da casa, me envolveu cuidadosamente. Deixei a casa contente, com a alegria de quem re-encontra gente querida.
Continuando neste esforço de “re-ler” momentos fundamentais de experiências de minha infância, de minha adolescência, de minha mocidade, em que a compreensão crítica da importância do ato de ler se veio em mim constituindo através de sua prática, retomo o tempo em que, como aluno do chamado curso ginasial, me experimentei na percepção crítica dos textos que lia em classe, com a colaboração, até hoje recordada, do meu então professor de língua portuguesa.
Não eram, porém, aqueles momentos puros exercícios de que resultasse um simples dar-nos conta da existência de uma página escrita diante de nós que devesse ser cadenciada, mecânica e enfadonhamente “soletrada”, em vez de realmente lida. Não eram aqueles momentos “lições de leitura”, no sentido tradicional desta expressão. Eram momentos em que os textos se ofereciam à nossa inquieta procura, incluindo a do então jovem professor José Pessoa.
Algum tempo depois, como professor também de português, nos meus vinte anos, vivi intensamente a importância


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do ato de ler e de escrever, no fundo indicotomizáveis, com alunos das primeiras séries do então chamado curso ginasial. A regência verbal, a sintaxe de concordância, o problema da crase, o sinclitismo pronominal, nada disso era reduzido por mim a tabletes de conhecimentos que devessem ser engolidos pelos estudantes. Tudo isso, pelo contrário, era proposta à curiosidade dos alunos de maneira dinâmica e viva, no corpo mesmo dos textos, ora de autores que estudávamos ora deles próprios, como objetos a ser desvelados e não como algo parado, cujo perfil eu descrevesse. Os alunos não tinham que memorizar mecanicamente a descrição do objeto, mas apreender a sua significação profunda. Só apreendendo-a seriam capazes de saber, por isso, de memorizá-la, de fixá-la. A memorização mecânica da descrição do objeto não se constitui em conhecimento do objeto. Por isso é que a leitura de um texto, tomado como pura descrição de um objeto e feita no sentido de memorizá-la, nem é real leitura nem dela, portanto, resulta o conhecimento do objeto de que o texto fala.
Creio que muito de nossa insistência, enquanto professoras e professores, em que os estudantes “leiam”, num semestre, um sem-número de capítulos de livros, reside na compreensão errônea que às vezes temos do ato de ler. Em minha andarilhagem pelo mundo, não foram poucas as vezes em que jovens estudantes me falaram de sua luta às voltas com extensas bibliografias a ser muito mais “devoradas” do que realmente lidas ou estudadas. Verdadeiras “lições de leitura” no sentido mais tradicional desta expressão, a que se achavam submetidos em nome de sua formação científica e de que deviam prestas contas através do famoso controle de leitura. Em algumas vezes cheguei mesmo a ler, em relações bibliográficas, indicações em torno de que páginas deste ou daquele capítulo de tal ou qual livro deveriam ser lidas: “Da página 15 à 37”.
A insistência na quantidade de leituras sem o devido


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adentramento dos textos a ser compreendidos, e não mecanicamente memorizados, revela uma visão mágica da palavra escrita. Visão que urge ser superada. A mesma, ainda que encarnada desde outro ângulo, que se encontra, por exemplo, em quem escreve, quando identifica a possível qualidade de seu trabalho, ou não, com a quantidade de páginas escritas. No entanto, um dos documentos filosóficos mais importantes de que dispomos, As teses sobre Feuerbach, de Marx, tem apenas duas páginas e meia…
            Parece importante, contudo, para evitar uma compreensão errônea do que estou afirmando, sublinhar que a minha crítica à magicização da palavra não significa, de maneira alguma, uma posição pouco responsável da minha parte com relação à necessidade que temos educadores e educandos de ler, sempre e seriamente, de ler os clássicos neste ou naquele campo do saber, de nos adentrarmos nos textos, de criar uma disciplina intelectual, sem a qual inviabilizamos a nossa prática de professores e estudantes.
Dentro ainda do momento bastante rico de minha experiência como professor de língua portuguesa, me lembro, tão vivamente quanto se ela fosse de agora e não de um ontem bem remoto, das vezes em que me demorava na análise de textos de Gilberto Freyre, de Lins do Rego, de Graciliano Ramos, de Jorge Amado. Textos que eu levava de casa e que ia lendo com os estudantes, sublinhando aspectos de sua sintaxe estritamente ligados ao bom gosto de sua linguagem. Àquelas análises juntava comentários em torno de necessárias diferenças entre o português de Portugal e o português do Brasil.
Venho tentando deixar claro, neste trabalho em torno da importância do ato de ler - e não é demasiado repetir agora -, que meu esforço fundamental vem sendo o de explicitar como, em mim, aquela importância vem sendo destacada. É como se eu estivesse fazendo uma “arqueologia” de minha


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compreensão do complexo ato de ler, ao longo de minha experiência existencial. Daí que eu tenha falado de momentos de minha infância, de minha adolescência, dos começos de minha mocidade e termine agora re-vendo, em traços gerais, alguns dos aspectos centrais da proposta que fiz no campo da alfabetização de adultos há alguns anos.
Inicialmente me parece interessante reafirmar que sempre vi a alfabetização de adultos como um ato político e um ato de conhecimento, por isso mesmo, como um ato criador. Para mim seria impossível engajar-me num trabalho de memorização mecânica dos ba-be-bi-bo-bu, dos la-le-li-lo-lu. Daí que também não pudesse reduzir a alfabetização ao ensino puro da palavra, das sílabas ou das letras. Ensino em cujo processo o alfabetizador fosse “enchendo” com suas palavras as cabeças supostamente “vazias” dos alfabetizandos. Pelo contrário, enquanto ato de conhecimento e ato criador, o processo de alfabetização tem, no alfabetizando, o seu sujeito. O fato de ele necessitar da ajuda do educador, como ocorre em qualquer relação pedagógica, não significa dever a ajuda do educador anular a sua criatividade e a sua responsabilidade na construção de sua linguagem escrita e na leitura desta linguagem. Na verdade, tanto o alfabetizador quanto o alfabetizando, ao pegarem, por exemplo, um objeto, como faço agora com o que tenho entre os dedos, sentem o objeto, percebem o objeto sentido e são capazes de expressar verbalmente o objeto sentido e percebido. Como eu, o analfabeto é capaz de sentir a caneta, de perceber a caneta, de dizer caneta, mas também de escrever caneta e, conseqüentemente, de ler caneta. A alfabetização é a criação ou a montagem da expressão escrita da expressão oral. Esta montagem não pode ser feita pelo educador para ou sobre o alfabetizando. Aí tem ele um momento de sua tarefa criadora.
Creio desnecessário me alongar mais, aqui e agora, so-


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bre o que tenho desenvolvido, em diferentes momentos, a propósito da complexidade deste processo. A um ponto, porém, referido várias vezes neste texto, gostaria de voltar, pela significação que tem para a compreensão crítica do ato de ler e, conseqüentemente, para a proposta de alfabetização a que me consagrei. Refiro-me a que a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele. Na proposta a que me referi acima, este movimento do mundo à palavra e da palavra ao mundo está sempre presente. Movimento em que a palavra dita flui do mundo mesmo através da leitura que dele fazemos. De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente.
Este movimento dinâmico é um dos aspectos centrais, para mim, do processo de alfabetização. Daí que sempre tenha insistido em que as palavras com que organizar o programa de alfabetização deveriam vir do universo vocabular dos grupos populares, expressando a sua real linguagem, os seus anseios, as suas inquietações, as suas reivindicações, os seus sonhos. Deveriam vir carregadas da significação de sua experiência existencial e não da experiência do educador. A pesquisa do que chamava de universo vocabular nos dava assim as palavras do Povo, grávidas de mundo. Elas nos vinham através da leitura do mundo que os grupos populares faziam. Depois, voltavam a eles, inseridas no que chamava e chamo de codificações, que são representações da realidade.
A palavra tijolo, por exemplo, se inseriria numa representação pictórica, a de um grupo de pedreiros, por exemplo, construindo uma casa. Mas, antes da devolução, em forma escrita, da palavra oral dos grupos populares, a eles, para o processo de sua apreensão e não de sua memorização me-

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cânica, costumávamos desafiar os alfabetizandos com um conjunto de situações codificadas de cuja descodificação ou “leitura” resultava a percepção crítica do que é cultura, pela compreensão da prática ou do trabalho humano, transformador do mundo. No fundo, esse conjunto de representações de situações concretas possibilitava aos grupos populares uma “leitura” da “leitura” anterior do mundo, antes da leitura da palavra.
Esta “leitura” mais crítica da “leitura” anterior menos crítica do mundo possibilitava aos grupos populares, às vezes em posição fatalista em face das injustiças, uma compreensão diferente da sua indigência.
É neste sentido que a leitura crítica da realidade, dando-se num processo de alfabetização ou não e associada sobretudo a certas práticas claramente políticas de mobilização e de organização, pode constituir-se num instrumento para o que Gramsci chamaria de ação contra-hegemônica.
Concluindo estas reflexões em torno da importância do ato de ler, que implica sempre percepção crítica, interpretação e “re-escrita” do lido, gostaria de dizer que, depois, de hesitar um pouco, resolvi adotar o procedimento que usei no tratamento do tema, em consonância com a minha forma de ser e com o que posso fazer.
Finalmente, quero felicitar os idealizadores e os organizadores deste Congresso. Nunca, possivelmente, temos necessitado tanto de encontros como este, como agora.


Paulo Freire - 12 de novembro de 1981

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1989

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3 comentários:

  1. Olá, amigos:

    Aguardo o comentário de vocês.
    Podem começar escrevendo aqui mesmo e depois continuaremos o debate em sala de aula.

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  2. Este texto de Paulo Freire é bem incitante, é uma boa dica de leitura.
    Realmente o ato de ler é um processo que precisa ser posto em prática por todos. Ele é relevante ao ponto em que aguça a capacidade crítica do indivíduo e permite que o mesmo seja capaz de saber o que está lendo através de uma interpretação e investigação, não ficando restrito apenas a decodificação de signos ou códigos. Quando se ler, é quase inevitável não se questionar, não duvidar do que está lendo, e consequentemente essas atitudes geram um certo incômodo que vai ocasionar um estímulo ao leitor para buscar respostas aos seus questionamentos.
    Essa busca parte da realidade, da ótica e da leitura do próprio mundo, que ficam interiorizados dentro de cada um e permite uma percepção de contextos diferentes, que ampliam a inteligência. Acredito, que a partir destas experiências é que o indivíduo se encontra na leitura da palavra e pode a partir daí, criar e inovar, pois leitura é palavra, mais é também realidade e ambas andam juntas e precisam ser dinamizadas sempre. O que conta não é a quantidade de páginas, mais a qualidade do que se leu, ou se está lendo, pois de nada adianta ler milhares de páginas se nada foi abstraído delas, se nada foi relevante para a alfabetização, se nada de significante foi apreendido para si.

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  3. O ato de ler consiste em ter visão crítica: não apenas na forma de criticar aquilo que se ler, mais na posição de saber argumentar sobre a leitura, de analisar e discutir de forma inteligente e racional a informação processada, sem aceitar automaticamente opiniões alheias, colocando em exposição sua própria visão, assumindo assim uma posição histórica;
    Interpretação: de modo que se existe essa ótica crítica, existirá uma observação mais cuidadosa, justamente porque se quer compreender melhor a realidade dos fatos;
    "re-escrita" do lido: O fato de ter a prática da leitura, torna o indivíduo capaz de falar e escrever sobre o que leu, ou seja, re-escrever, mais não no sentido de copiar sobre o assunto, mais de usar um discurso próprio, de acordo com o que foi apreendido e esclarecido da leitura feita.
    Vale salientar, que estas são características do ato de ler, mas do ATO DE LER BEM, e não meramente ler todo dia.
    Pode-se dizer então, que, ler abre novos horizontes, eleva o ser humano e amplia a inteligência.

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